Celular na sala de aula

Artigo

Celular na escola

É preciso aceitar que celulares e gadgets são verdadeiros divisores de atenção. A neurologia já descartou a hipótese de o cérebro ser multi tarefa e o que existe de fato na geração das mídias sociais é um sujeito alternando sua atenção entre várias coisas distintas, fazendo-as todas com menor eficiência do que se estivesse atento a cada uma por vez. Mas quem disse que o jeito que se faziam as coisas antes é o melhor para o momento? Será que “eficiência” é realmente o valor absoluto a ser perseguido a qualquer custo em uma vida curta como a que temos neste mundo? Com inteligência, dividir pode ser multiplicar, e talvez as gerações que chegam estejam trazendo uma mensagem que estamos tentando ocultar dentro das mochilas deles e no modo avião.


A meninada dos dias de hoje faz três, quatro, cinco coisas ao mesmo tempo, e é totalmente acostumada a isso. No Whatsapp sustenta conversas com vários grupos que reúnem mais de 400 pessoas simultaneamente, e o fazem sem dificuldade. Rolam o Feed do Facebook e instagram sem parar, e ainda lê dezenas de twits por minuto. É claro que nessa atividade não há produção intelectual concisa, extensa ou promissora em geral. Ao final de uma tarde de conversa ou interação nessas mídias eles não são capazes de reproduzir 10% do conteúdo trafegado, mas fica a sensação de “legado”. É como se por trás das palavras estivessem emoções e informações sutis que realmente importam e que ficam armazenadas, formando redes que transcendem os aparelhos e as ideias trocadas. É como se dissessem: “é bom e pronto”. Isso é tão inexplicavelmente importante e prazeroso para eles hoje quanto é importante para um ferromodelista ficar transformando palitinho de fósforo em pau de cerca em suas cidades imaginárias nas maquetes. Quem aceita que possa haver diversão em uma coisa tão animalesca e sem sentido quanto uma tourada tem a obrigação de ao menos aceitar que alguém prefira rir de memes no facebook a ler um livro eventualmente.

O celular é colocado como vilão da vida acadêmica por que estaria “diminuindo o rendimento acadêmico do aluno”. Na comparação com os anos anteriores ao surto dos smartphones, os educadores mais conservadores alertam para o perigo da diminuição da retenção de conteúdo e da diminuição da aceitação dos métodos utilizados no ensino. Vamos ser realistas: quem se lembra de pelo menos 10% do que viu em cada disciplina que teve na escola quando criança antes da década de 90? Quantos adultos formados nesta época sabem termodinâmica a ponto de explicar o que acontece na cozinha de casa? Quantos utilizam os conhecimentos fisiologia do ensino médio para cuidar de sua saúde ou a botânica para produzir seu próprio alimento? O que mais ouvimos quando perguntados sobre o que é Fïsica é: “nossa, nem sei por onde passa… sofri demais com essa matéria e não me lembro mais de nada”.

Se formos colocar no papel, a diferença entre a geração anterior e a atual acaba sendo a passividade das crianças antigas que cresciam aprendendo que há coisas que simplesmente são o que são "por que sim". Educadores desta nova era sabem muito bem que nossas crianças não aceitam mais passarem por um processo sem conhecer seu objetivo, e muito menos o fazem se não concordarem com ele. Acontece que justamente os professores desconhecem o processo por que passaram por ele sem fazer perguntas. “Por que a gente estuda isso?” é uma pergunta que pode tirar do sério um educador conservador em um dia ruim. E tem que tirar do sério mesmo, por que é a pergunta que deveríamos nos fazer TODOS OS DIAS.

Não precisamos nos tornar crianças e nem começar a mudar nossos valores radicalmente, mas precisamos estudar os métodos de aprendizados deles assim como uma agência de publicidade precisa estudar os gostos e comportamento de seu público. Não importa se uma agência de propaganda é famosa, antiga ou poderosa: se não souber conversar com seu público, sua mensagem não chegará com eficiência. O mesmo Youtube que tem todo tipo de entretenimento guarda milhões de vídeos com informações absolutamente estarrecedoras e que atraem bilhões de pessoas. Se a escola não está dentro do celular, então ela pode estar fora de mais da metade do fluxo mental de seus alunos. Se é lá que está o interesse deles, então precisamos ao menos estudar este universo. 

Em sala de aula o celular é o dicionário, a enciclopédia e o banco de dados gigante de vídeos inumeráveis que ilustram praticamente tudo aquilo de que se deseje falar a respeito. Um celular bem utilizado pode virar uma lâmpada estroboscópica para visualização de experimentos, câmera lenta para registro e estudo pausado de fenômenos, simuladores e acesso instantâneo a fotos de coisas de que apenas se fala em sala. Com aplicativos especialmente desenvolvidos para o ensino, o aluno divide o uso de seu aparelho entre seu lazer e o aprendizado… e quem disse que estes dois precisam mesmo estar dissociados? 

É claro que é importante também que se aprenda que há momentos em que nossa atenção precisa estar 100% dedicada a uma só coisa. Mas é importante entender que 100% de foco em uma coisa de cada vez é APENAS UM modelo de uso de nossa mente, e não necessariamente o melhor deles.. O momento de guardar o celular deve ser um hiato no processo, e não um recurso de guerra contra a “falta de atenção” ou desejo pelo mundo virtual.


A internet é uma selva de informações onde não há instituições reguladoras. Uma anarquia perigosa por um lado, mas ilimitada por vários outros. Mais do que aliar-se à internet para fazer dela instrumento de alcance, a escola tem o DEVER de educar seus meninos para o uso deste novo mundo em que as pessoas passam cada vez mais tempo. Não podemos simplesmente pedir ao aluno que guarde o telefone na mochila pelo mesmo motivo que não podemos simplesmente deixar de falar de sexo para um adolescente. Você não pode esconder de alguém seus próprios pensamentos, então o melhor é dar a eles nobre significado.