Inovar, perder e ganhar

Alunos de escolas inovadoras podem pagar um preço pelas gerações que virão. Mas que geração não se sacrifica pela geração seguinte?

As boas ideias precisam ser cuidadosamente transformadas em ação. Precisamos de detida análise dos possíveis desvios e desdobramentos de cada etapa, prevendo dificuldades e pensando em contornos. Além disso, como não dispomos de mais tempo de sala de aula em função de boas ideias, teremos sempre que substituir uma estratégia testada e consolidada por uma novidade – o número de horas aula de que dispomos para cumprir o conteúdo não vai variar conforme nossa vontade de fazer melhor.

Aquela tradicional sequência de ensino do livro didático que está em sua 14a edição é algo que tem “funcionado”. Mesmo que os alunos acabem se esquecendo do que aprenderam antes mesmo que o ano se acabe, aceitamos o modelo de ensino atual desde que eles ao menos consigam se lembrar do que aprenderam até a hora da prova. Para esta exigência nossos modelos atuais são razoáveis. Mas se for para preparar nossos meninos para o mundo em que virão nos próximos 50 anos, então precisamos de séria reestruturação (sabemos disso há anos).

Reestruturar o ensino nas escolas é um processo que se assemelha a consertar um carro em movimento ou realizar uma cirurgia em órgãos vitais. Não podemos parar tudo até que estejamos prontos. Além disso, Escolas são instituições-negócios de milhões de reais que não podem ser colocados em risco por um ideal sem patrocínio – sejamos realistas.

Outro elemento que assusta até os mais criativos é o fato de que lidamos com gente (!). Parece óbvio, mas é importante lembrar-nos de que planejar o ensino não é o mesmo que planejar uma construção. Alunos não são tijolos. Durante todo o processo nos surpreendemos com a necessidade do improviso. O educador julga que algo será o ponto alto de sua ação, então os alunos de repente se interessam pela parte da aula que foi gerada no improviso. Em certa aula falávamos sobre Fontes de luz, observamos todo o espectro visível, manuseávamos diferentes lâmpadas e demonstramos várias propriedades da luz e do olho humano. Contudo, os alunos ficaram realmente interessados em ver como o protetor solar que o professor sempre trazia para a escola criava sombras em qualquer superfície iluminada pela luz negra que estavam manuseando. Sim, o protetor solar que eles têm em casa e às vezes não usam por preguiça agora será item obrigatório de proteção da pele por que não vão se esquecer daquela demonstração! “como eu não pensei em explorar isso melhor quando planejava a aula?”.

Às vezes o que dá mais certo em um projeto é justamente um detalhe improvisado ou algo que sequer estava no script. Aliás, o improviso dentro de uma proposta bem estruturada é um excelente indicador de que ela é viva! Aulas / sequências de ensino excessivamente estruturadas podem pecar pela dificuldade do envolvimento, já que seu ritmo não leva em conta a energia psíquica da turma (que é algo extremamente difícil de prever ou manipular e ainda essencial no processo de ensino e aprendizagem).

Por tudo isso, a primeira vez de algo novo quase sempre gera grande material para se fazer melhor na próxima vez. Do ponto de vista administrativo (escola-empresa) isso é fabuloso. Uma empresa que vai mal e está crescendo é um ativo melhor que uma empresa que vai bem e está em declínio. Definitivamente estamos falando de um crescimento quando nosso ensino melhora em qualquer aspecto.

Mas o aluno que se submeteu ao “teste” não será alcançado pela melhora processual, já que estará na etapa (série) seguinte sendo agente/paciente de outra experimentação em outra área/tópico/matéria. É comum ouvir de alunos: “Ah, professor, em minha época não tinha isso. Eu queria ter tido essa experiência também”. As centenas de meninos que tiveram aquela aula de óptica sem a parte do protetor solar não voltarão mais...

Daí a crítica (compreensível) dos pais que desejam ver resultado imediato do capital investido. “Não quero que meu filho veja um conteúdo menor por que passou metade de uma aula passando protetor solar”, diria um pai aflito pelas aulas de Óptica Geométrica que demoraram a começar. “Se for fazer diferente, que funcione já!” – desejam todos eles. Não podemos culpá-los de não querer financiar a educação nacional com o capital chamado paciência.


Quantos computadores antigos e celulares de baixa tecnologia precisaram ser comprados por gerações e gerações até que o pai/aluno de hoje possa comprar seu SmartPhone por menos de 10% do que já se pagou por muito menos? Quanto se ganhou trocando a palmatória pela obrigatoriedade do envolvimento do aluno através da afetividade? Não foram todos esses progressos processuais? Não foram todos esses ganhos resultados de gerações “cobaias”? E não foram aqueles mesmas, as gerações “cobaias”, beneficiárias do aprendizado da que as antecedia?

Só poderemos lograr grande sucesso se tratarmos a educação como processo. Tentar colher os frutos de uma grande ideia no ato de seu estabelecimento é como tentar viver das mangas de um pé que acabamos de plantar.

Além disso, se mudamos o foco e não mudamos os indicadores, é claro que o resultado numérico vai indicar queda de eficiência. Se o foco de uma empresa de fabricação de carros é melhorar o design mas seu teste de desempenho da equipe continua sendo a velocidade máxima atingida na pista, o dinheiro investido em pesquisa vai parecer mal utilizado nos indicadores. Do mesmo modo, se a prova que vão fazer no final da etapa é a mesma dos anos anteriores, com as mesmas perguntas, então como medir toda a experiência vivida para sempre em cada troca inesquecível em sala de aula? Como estimulá-los a fazerem as próprias perguntas se existe uma, e somente uma resposta para as “perguntas certas” que terão que aprender a fazer?

Como já dizia Einstein, se quisermos que nosso legado enquanto humanidade sobreviva às mortes de seus indivíduos, precisaremos dar mais atenção ao trabalho daqueles que transmitem o legado de uma geração à outra e promovem melhoras. Estes são Pais, avós, professores e mestres de toda natureza. Investir na educação é investir na humanidade.