"Falar para as paredes"

é o que nos dá a impressão de estarmos fazendo hoje em dia.
Certa vez um professor disse uma coisa em sala de aula a esse respeito. Disse que, em qualquer profissão para que se dá mais do que a obrigação contratual, estamos sujeitos a esse tipo de sentimento, o de frustração. Ele disse que quando o professor se empenha e se preocupa com o processo de uma maneira pessoal, também leva para o lado pessoal o resultado (seja ele bom ou ruim).
Do ponto de vista do contrato civil com a escola, sua obrigação é mesmo "falar para as paredes" e eles, da parte do contratante, devem te pagar para isso. Se sua espectativa era falar para as paredes e, por acaso, a "parede" interagiu, então você teve LUCRO, por que vai receber seu salário mesmo assim e ainda teve "satisfação" - não espere que te paguem para ter satisfação em uma sociedade com nosso modelo.
Isso vale para o técnico de montagem de stands de eventos, que monta mega estruturas durante toda a vida e NENHUMA dura mais que um ano. Na verdade, stands são feitos para durar dias, e depois são colocados abaixo. Isso se aplica também ao vendedor, que acorda de manhã cedo, abre a loja em pleno sábado, trabalha até as duas e não faz NENHUMA VENDA - acontece muitas vezes. O caso do vendedor ainda é pior, e se fossemos fazer um análogo no ensino, seria o caso do professor que só recebe se o aluno aprendeu (falência coletiva).
Mas essa reflexão me levou ao que já tinha ouvido da minha avó:
"Meu filho - ela disse. Só existe decepção para aqueles que criam expectativas." E quando perguntei a ela se deveriamos abrir mão das expectativas, ela disse: "só se quiser abandondar também os sonhos".
O que parecia um loop sem saída foi esclarecido com Khalil Gibran, um poeta árabe que, em seu livro escrito em inglês "The Prophet" (O profeta) fala sobre a Dádiva. Cheguei até aqui por que me parece que as pessoas que enxergam esse cenário e ainda persistem na profissão são poucas (veja exemplo da turma de 2008 de Física da UFMG, que era de 45 no ano de entrada e se reduziu para 5 formandos "em dia" e mais 8 que podem se formar ainda). E a maioria dessas poucas pessoas acredita no que faz ou não pode deixar de fazê-lo, e chamo isso de vocação. No sentido mais holístico de "vocação" o trabalho se torna um SERVIÇO ALTRUÍSTA, embora remunerado.
Segue uns trechos do Livro de Khalil na parte que fala sobre a Dádiva. Parece piegas, mas diz muito para quem está frustrado e não quer abandonar o barco.
"Dais muito pouco quando estais a dar o que vos pertence.Só quando vos dais a vós próprios é que estais verdadeiramente a dar.
(...)
Há aqueles que dão pouco do muito que têm, e fazem-no para conseguirem reconhecimento e o seu desejo oculto torna as suas dádivas sem valorE há aqueles que, tendo pouco, tudo dão.Esses são os que acreditam na vida e na magnificência da vida e o seu cofre nunca está vazio.
Há aqueles que dão com alegria, e essa alegria é a sua recompensa. E há aqueles que dão com dor e essa dor é o seu baptismo.
E há aqueles que dão e não conhecem a dor ao dar, nem procuram alegria, nem dão para se sentirem virtuosos;
Dão, tal como no vale a murta exala o seu perfume para o espaço.
E através das mãos desses que Deus fala, e por detrás dos seus olhos que Ele sorri para a terra. 
(...)
E que podereis conservar?Tudo o que possuís será um dia dado.
Por isso dai agora, agora que a época da dádiva pode ser vossa e não dos vossos herdeiros."
Moral da história: fale para as paredes para pagar suas contas, e doe-se, verdadeiramente, ao que está fazendo além de sua obrigação, mas não espere recompensa pela sua "bondade".
Abraço