Vamos deixar claro que "dar dica" é diferente de "ensinar". Por que se você tem um vizinho que entende de medicamentos e te "dá uma dica" de como curar seu furúnculo, você certamente está contando com um médico caso a "dica" não funcione. Aliás, se o negócio for grave mesmo, duvido que você fique satisfeito em tocar campainha e pedir "uma dica": vai direto a uma unidade de pronto atendimento.
Dizer que não é justo cobrar para ensinar é trabalhar na contra mão de um movimento importante de conscientização e valorização do ensino de que o Brasil tanto carece. Imaginem que nossos filhos estão enfrentando um cenário cada vez mais frágil onde "ensinar" não vale dinheiro e deve ser feito por amor. Resultado disso é o salário do professor. É claro que o professor deve ensinar por amor! É claro que o encanador tem que trocar o cano por amor, o advogado deve nos defender por amor, o Juíz deve julgar por amor, um psicólogo deve ouvir as pessoas por amor e o médico fazer diagnóstico por amor. Fazer algo com amor não significa não valorizar o que se faz. Um psicólogo que conversa com uma pessoa para dar-lhe um diagnóstico está entregando àquela pessoa um bem, um valor. Injusto seria a pessoa não dar também um valor de si pelo tempo e inteligência investida em seu caso particular. Quando um professor recebe por ensinar, está havendo alí uma legítma troca de valores. Cada um dá ao outro de coração aquilo que tem para dar e de que o outro precisa. O aluno tem o dinheiro por que esteve trabalhando e o professor tem conhecimento por que esteve estudando. Do mesmo modo, se eu planto milho o ano todo e meu vizinho plantou feijão, por que não trocar um pouco de milho pelo feijão? Ou eu deveria dizer que ele tem muito feijão na fazenda dele e que, por isso, deveria me dar, já que eu não tenho nenhum? E o meu milho?
Nós, formados em Licenciatura, precisamos cumprir cerca de 400 horas de atividade intelectual acadêmica que passam por psicologia da educação, sociologia da educação, recursos didáticos, etc. Trabalhar com o processo cognitivo não é trivial, e deve ser feito com muita competência. Isso não quer dizer que precisamos ser formados por uma universidade para estarmos aptos, mas precisamos estar aptos, e isso requer dedicação.
Gratuidade é uma coisa delicada e perigosa em um mundo capitalista. Muitas vezes o ganho está invisivelmente embutido no processo dito "gratuito". Pode ser que o ganho seja para a vaidade/ego, por exemplo. Sentir-se envaidecido e reconhecido é um pagamento para quem por ventura se alimente desse tipo de halento. Isso é tão verdade que frequentemente pessoas abandonam seu "trabalho altruísta" queixando-se: "faço tudo por eles e não sou reconhecido". Entretanto, reconhecimento é uma moeda que não vale para todos. Será que a Red Bull patrocina os esportes radicais por amor? A Coca Cola coloca Papai Noel para rodar em volta da praça da Liberdade por amor ao espírito natalino?
Qualquer adulto que não seja sustentado por alguém sabe como é caro viver numa cidade cosmopolita como BH. Viver com dignidade aqui custa dinheiro, e nossa jornada de trabalho precisa ser longa para um final de mês saudável financeiramente. Cada minuto investido vai custar seu preço no final do ano, e há que se escolher bem o que fazer dele.